O meu mundo ao contrário

Ontem foi o dia internacional do canhoto. Eu sou canhota. Sempre fui. Comecei a perceber desde muito cedo que era canhota quando diariamente era confrontada com um mundo que parecia não ter sido feito para mim. Tive que aprender "à força" a cortar com a tesoura na mão direita porque na minha escola não existiam tesouras para canhotos, e cortar com a mão esquerda era tudo menos cortar. Aprender a escrever também teve a sua dificuldade de adaptação. Comecei a escrever da direita para a esquerda (até as palavras) porque era assim que me fazia sentido. Fui castigada por isto até perceber que o "normal" não era nada daquilo. Até que descobri que tinha que dar uma inclinação razoável à folha de papel para que não parecesse uma pessoa com deficiência na mão a escrever. Usar a régua também não é tarefa fácil. A escala está da esquerda para a direita e eu faço o traço da direita para a esquerda. Nunca encontrei uma régua com a escala ao contrário. Fui para a catequese muito pequena e fui constantemente repreendida por me benzer com a mão esquerda. Não sei para que lado é primeiro o sinal da cruz. Ainda hoje faço o mesmo quando tenho que ir à igreja. (se algum padre ler isto e quiser exorcizar o demónio que deve ser a causa disso sinta-se à vontade. contactem-me por mail ou mandem-me para a fogueira). As torneiras e as maçanetas das portas também é coisa para me tirar do sério. Fui para a universidade e deparei-me com aquelas cadeiras de anfiteatro, em que a mesinha está simplesmente pregada do lado direito, o que me obrigou  sempre a escrever na mesa da cadeira do lado, não permitindo por isso que ninguém usasse esse lugar, incentivando o meu isolamento social. Nunca tinha a capa traçada para o lado correcto. Jogar às cartas fica muito mais fácil quando as cartas têm os naipes e os números desenhados nos quatro cantos. Segurar o baralho com a mão direita e fazer aquele leque nas cartas onde os naipes estão apenas em dois cantos na diagonal deixa-me com uma visão nada esclarecedora das cartas que tenho na mão. Tirar a carta de condução foi algo assustador para o meu instrutor. Tentar meter as mudanças com a mão esquerda é coisa para ele ter pedido reforma antecipada. Quando vou cumprimentar alguém com um aperto de mão faço sempre figuras ao ponto de ter que voltar atrás com a mão que já levava estendida. Isto para não falar das pessoas que ficam extremamente ofendidas porque acham que é deselegante cumprimentar com a mão esquerda. Por outro lado, nunca fui obrigada a beber nada de penalti porque nunca seguro um copo com a mão direita!
Apenas alguns exemplos daquilo que constantemente encontro no meu dia-a-dia e que tenho que me adaptar (ou tentar). Depois há coisas bastante mais difíceis de me adaptar que é aos seres destros quando olham para mim pela primeira vez a escrever e fazem uma pergunta muito inteligente que é: "És canhota?"





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